Anemia: Como Abordar de Forma Prática e Baseada em Evidências?
A anemia é uma das condições mais comuns na prática médica, mas sua abordagem nem sempre é simples. Como diferenciar uma anemia ferropriva de uma anemia de doença crônica? Quando suspeitar de uma falha medular? E quais exames solicitar para uma investigação eficiente? Neste artigo, exploramos a classificação, a investigação e o tratamento da anemia com base nas melhores evidências científicas. Confira e aprimore sua conduta
Camila Negreiro Dias
2/16/20243 min read


A anemia é uma condição clínica caracterizada pela diminuição da massa eritrocitária, definida laboratorialmente por níveis de hemoglobina abaixo dos valores de referência para idade, sexo e altitude. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), considera-se anemia quando a hemoglobina está abaixo de 13 g/dL em homens, 12 g/dL em mulheres e 11 g/dL em gestantes e crianças menores de cinco anos.
Clinicamente, as manifestações da anemia variam conforme sua gravidade. Casos leves podem ser assintomáticos, enquanto formas mais graves podem comprometer a oxigenação tecidual, causando sintomas como fadiga, dispneia e palidez cutâneo-mucosa. Em situações extremas, como hemorragias agudas, o quadro pode evoluir para choque hipovolêmico. Para uma abordagem diagnóstica e terapêutica eficaz, é fundamental classificar a anemia com base em sua fisiopatologia e morfologia, além de identificar sua causa subjacente.
Classificação da Anemia:
Para compreender a redução da massa eritrocitária, é essencial analisar sua fisiopatologia, que pode decorrer de uma menor produção ou de um aumento na perda de hemácias. Utilizando o conceito da "fábrica do sangue", as anemias podem ser classificadas em pré-medulares, medulares e pós-medulares.
1. Anemia Pré-Medular:
Está relacionada à redução dos estoques de nutrientes essenciais, como ferro, vitamina B12 e ácido fólico, sendo também conhecida como anemia carencial.
A deficiência de ferro é uma das principais causas da redução da eritropoiese em todo o mundo, responsável por aproximadamente 75% de todos os casos. Abaixo, destacamos os mecanismos envolvidos:
Redução na ingestão: comum em vegetarianos, indivíduos com má absorção, pós-cirurgia bariátrica, gastrite atrófica, doença celíaca ou dieta inadequada.
Aumento da demanda: ocorre em situações como gravidez, lactação e períodos de crescimento.
Aumento das perdas: principalmente devido a sangramentos! (com destaque para o trato gastrointestinal - TGI. Pacientes idosos com anemia ferropriva devem sempre ser investigados para sangramentos no TGI com endoscopia digestiva alta - EDA e colonoscopia. #ficaadica).
Diferentemente das anemias por deficiência de vitamina B12 e ácido fólico, que geralmente se apresentam com macrocitose (VCM aumentado), a anemia ferropriva é caracterizada por microcitose, hipocromia e anisocitose.
2. Anemia Medular:
Caracterizada por distúrbios na produção de hemácias, onde a medula óssea não consegue produzir hemácias adequadamente devido a processos inflamatórios, neoplásicos ou tóxicos. As principais causas incluem:
Anemia da Doença Crônica (ADC): associada a inflamação crônica, infecções ou doenças autoimunes, há redução na eritropoiese devido à diminuição da disponibilidade de ferro por aumento da hepcidina.
Síndromes mielodisplásicas: redução de uma ou mais séries do sangue associada à displasia. Deve-se suspeitar em pacientes com citopenias inexplicáveis ou monocitose, principalmente em indivíduos com mais de 60 anos.
Aplasia medular: redução global da produção de células sanguíneas (pancitopenia!), podendo ser idiopática ou induzida por fármacos e infecções virais. A medula óssea (MO) é hipocelular para a idade (a celularidade esperada da MO é calculada como 100% - idade).
3. Anemia Pós-Medular:
Ocorre quando as hemácias estão sendo perdidas (sangramentos) ou destruídas (hemólise).
Sangramentos agudos: perda rápida de sangue.
Hemólise: as anemias hemolíticas podem ser divididas em imunes (Coombs direto positivo) e não-imunes (Coombs direto negativo – como na MAT, PTT, HELLP).
Investigação da Anemia:
Além do exame físico, que pode revelar achados como palidez, alterações ungueais (carencial), icterícia (hemólise) e esplenomegalia, os exames laboratoriais são essenciais para o diagnóstico. Abaixo, uma comparação dos principais marcadores:
Anemia Ferropriva: reticulócitos reduzidos ! ferritina, Fe sérico, IST -> reduzidos, CTLF aumentado
Anemia medular : reticulócitos reduzidos ! investigar a medula óssea - mielograma e biópsia
Amemia pós-medular: reticulócitos aumentados ! Avaliar provas de hemólise: LDH aumentado, Bilirrubina indireta aumentada e haptoglobina reduzida
Como tratar?
O tratamento da anemia depende da causa subjacente. Pode variar desde a reposição de elementos essenciais (ferro, vitamina B12, ácido fólico) até a transfusão sanguínea em casos graves. Em breve, teremos um post mais detalhado sobre as estratégias terapêuticas.
Conclusão:
A abordagem da anemia exige uma avaliação cuidadosa da história clínica, exames laboratoriais e identificação da causa subjacente. O tratamento deve ser direcionado ao tipo de anemia, podendo incluir reposição de nutrientes, controle de doenças inflamatórias ou até terapia imunossupressora. Uma investigação sistemática permite um manejo adequado, evitando complicações e melhorando a qualidade de vida do paciente.
Referências:
De Franceschi, L., Iolascon, A., Taher, A., & Cappellini, M. (2017). Gestão clínica da anemia ferropriva em adultos: revisão sistemática sobre avanços no diagnóstico e tratamento.. European journal of internal medicine , 42, 16-23 . https://doi.org/10.1016/j.ejim.2017.04.018 .
Deloughery, T. (2017). Anemia por deficiência de ferro.. The Medical clinics of North America , 101 2, 319-332 . https://doi.org/10.1016/j.mcna.2016.09.004 .
Organização Mundial da Saúde (2023). Anemias nutricionais: ferramentas para prevenção e controle eficazes .